A proposta desse livro é trazer “contos de fadas para adultos”. Não que, em sua origem, contos de fada tenham sido histórias infantis, como a própria autora esclarece no prefácio: eram histórias moralizantes, que davam conselhos e a punição de maus atos, principalmente para adultos ou jovens em formação para a vida. As versões que conhecemos hoje, de certa forma pasteurizadas, surgiram a partir dos trabalhos dos Irmãos Grimm e de Charles Perrault, que recolheram essas histórias e as recontaram de maneira mais leve.
Mas o “para adultos” do título também pode ter uma outra interpretação. Não diz respeito apenas a cenas de sexo e violência mais cruas, mas ao que acho principal no fato de ser adulto: ter de fazer escolhas, nem todas fáceis, nem todas simples, e viver com o peso de suas consequências. Sabem aquela história batida dos grandes poderes e grandes responsabilidades? Mais ou menos isso.
Então, com essas prerrogativas em mente, a autora traz uma coleção de contos de fadas modernizados – e deliciosos, li o livro em uma tarde, não conseguia largá-lo – e adultos. Toda aquela atmosfera mágica de contos de fada está presente e a narrativa é simplesmente deliciosa de se acompanhar. A autora conseguiu pegar o espírito dos contos que lhe servem de inspiração, alguns deles até mesmo recontados aqui, como A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e mesmo A Bela e a Fera (evidentemente não a versão da Disney). Outro ponto forte são as ilustrações para cada conto, também obra da autora (que é ilustradora), afinal um livro de contos de fadas não poderia passar sem ilustrações, poderia?
Três temas são de certa forma comum entre os contos: o primeiro deles, como adiantado anteriormente, o peso de fazer escolhas e sofrer suas consequências (que não necessariamente serão boas); o segundo é a da posição de ser mulher, de ter poder sobre o próprio corpo e sobre a vida, e sobre o quanto este poder pode ser retirado à força por uma sociedade que preza um conceito deturpado de masculinidade; e o terceiro a ecologia, principalmente no trato respeitoso com as outras espécies animais (reais ou fantásticas).
Talvez o conto que sintetize melhor todo o espírito do livro seja a noveleta que o nomeia, Reino das Névoas: uma espécie de recontagem da história da Branca de Neve (mas com elementos de histórias como Chapeuzinho Vermelho e A Bela e a Fera, ou mesmo de outras histórias como a lenda da Condessa Bathory), onde a mocinha tem de fazer a transição da inocência da infância para o pragmatismo adulto, mas isso não ocorrerá sem lágrimas, danos e violência (física e sexual). É sobre as dores de tomar as rédeas da própria vida, o que nunca é simples, fácil e indolor, mas cujo resultado acaba por compensar as dores – só que todo dano poderá ser resgatado ao se descobrir a verdadeira natureza do eu?
Enfim, esse é um livro que só tem um defeito grave, gravíssimo, aliás: é muito curto!!!! As histórias acabam tão rápido quando uma tarde de verão envolta em brincadeiras e os contos são tão bem-trabalhados que não se quer parar de ler. Fica a sugestão para um volume 2.
Foi para mim uma das maiores surpresas do ano, recomendadíssimo a todos os leitores que querem reviver antigos contos, mas com novo olhar.
Obrigada, Ana, pelas belas palavras!
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