Saiu uma resenha muito culta no Blog do Pai Nerd, escrita por Álvaro Domingues, que também é autor do livro Sombras e Sonhos. Confiram abaixo!
O conceito de infância que temos hoje só surgiu após o estabelecimento da filosofia racionalista do século XVIII, tendo como marco a publicação de O Emílio, de Rosseau. Antes as crianças só se diferenciavam dos adultos pelo tamanho e pelas habilidades. As narrativas, sobretudo de tradição oral, não tinham contornos para evitar ou atenuar passagens mais cruentas e cruéis ou que envolvessem sexualidade. Os Irmãos Grimm, que compilaram a maioria dos contos que conhecemos hoje, fizeram o primeiro filtro, já dentro da visão de que existe uma infância a ser preservada e já influenciados pela ética protestante. Mesmo assim, alguns contos sofreram ainda mais uma censura deles mesmos na segunda edição. Ao longo do tempo, mais e mais atenuações foram introduzidas.
Há ainda outros fatores históricos que mudaram a teor da narrativa. Por exemplo, na Idade Média, o perigo de um ataque de um lobo era real e palpável. Então, a Chapeuzinho Vermelho devia temer mesmo um lobo, sem nenhuma metáfora. Com o passar do tempo, o perigo é um adulto manipulador, que pode ser representado por um lobo.
Contudo, o livro não se propõe a um resgate histórico, nem a criticar a forma como os contos são contados hoje para as crianças, mas apenas a trazer de volta alguns elementos ausentes para criar uma atmosfera fantástica que abranja alguns fatores importantes do universo adulto.
Ao pegar o livro, a primeira coisa que se nota é que houve um cuidado na edição de emular um livro de contos de fadas de criança, desde a capa, passando pelas ilustrações internas, até o papel, a tipologia dos títulos e do texto e o uso de capitulares.
O texto também guarda similaridade com o dos Irmãos Grimm, mas de uma forma mais fluída e poética, mesmo nas passagens onde há crueldade explícita, e evitando sempre que possível o uso de lugares comuns (inclusive o “Era uma vez...” e o “... viveram felizes para sempre”), o maniqueísmo clássico e o final fechado.
O Chifre Negro
Uma princesa necessita pegar um chifre de unicórnio para salvar o pai. Essa busca a leva a uma série de situações perigosas, cruéis e amargas que a marcam de forma indelével e a levam ao amadurecimento como pessoa. Angustiante.
O Lenhador e a Sombra
Esta talvez seja a mais poética das histórias. Um lenhador solitário encontra uma companhia na floresta. A questão do desapego norteia a condução do conto. Belíssimo.
A Outra Margem do Rio
Duas cidades separadas por um rio e pelo preconceito. Um pai leva o filho para um casamento com uma noiva do outro lado. Acontecimentos trágicos marcam essa travessia. A questão do que é realmente importante dá o tom.
A Torre onde ela dorme
Uma princesa tem muitas habilidades e só aceita casar-se com um homem que a vença. Pela inveja de seus pretendentes, é condenada a dormir um sono eterno até que seja vencida por um homem. Esta é uma versão da história da Bela Adormecida, com um príncipe nem um pouco nobre. Surpreendente.
A Filha do Fidalgo
Uma jovem fantasia que um sapo que encontra em seu quarto, se beijado, se tornaria um príncipe. Será?
A Espera
Uma metáfora para a busca da felicidade a partir de esperanças vãs, que na realidade nos impedem de ver que ela está ao alcance da mão.
Reino de NévoasUma Branca de Neve não tão pura e não tão indefesa. O conto mais longo e também o mais movimentado. O melhor da coletânea.
O resultado geral é muito bom, atingindo plenamente o os objetivos da autora.Álvaro Domingues, escritor
Obrigada pelas palavras, Álvaro! Fico feliz que você tenha gostado do livro!
Seu livro merece!
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